Alexander L. Fogel e Joseph C. Kvedar - Havard Business Brasil - Agosto 2017
As empresas que encaram com seriedade a redução dos custos de serviços de saúde — e zelam pela saúde e bem-estar de seus funcionários — deveriam analisar a fundo a terapêutica digital, que tem o potencial de fornecer formas eficazes e de baixo custo para prevenir e tratar doenças crônicas e suas consequências. As terapêuticas digitais são soluções baseadas em tecnologia cujo impacto clínico sobre a doença é comparável ao de uma droga. Elas utilizam principalmente tecnologias acessíveis aos consumidores, como dispositivos móveis, sensores que podem ser vestidos, métodos analíticos de grandes dados, ciência comportamental, e podem ser acessadas via navegadores da internet, aplicativos, ou em conjunto com dispositivos médicos. E podem ser distribuídas em tempo real e em grande escala, o que é decisivo para a intervenção em casos de doenças crônicas.
Essas aplicações gerais incluem atualmente aplicativos para smartphones baseados em inteligência artificial que monitoram as atividades e interações sociais do paciente para detectar e intervir em episódios de depressão profunda; comprimidos com sensores embutidos administrados por via oral, que avisam pacientes e médicos se um medicamento foi ingerido corretamente; e inaladores para asma que se conectam com redes de sensores de qualidade do ar para fornecer feedback personalizado sobre as conexões entre o comportamento do paciente e fatores ambientais. (Um de nós, Joseph Kvedar, é consultor de várias empresas envolvidas na área de terapêutica digital, como Claritas Mindsciences, Mavericks Capital, PureTech e MD Revolution.)
Por que agora?
As doenças crônicas afetam mais da metade da população dos Estados Unidos. Elas prejudicam a produtividade, representam mais de 85% dos custos de assistência médica e são a principal razão de os prêmios dos seguros de saúde custeados pelos empregados terem aumentado 123%, desde 2000, enquanto os salários aumentaram apenas 43%. Mais de dois terços das grandes empresas oferecem atualmente programas de gestão de doenças, mas a maioria desses serviços é oferecida por meio de negócios físicos que podem ser convertidos em terapêutica digital mais bem estudada, mais barata e mais eficaz.
As terapêuticas digitais estão sendo cada vez mais validadas por meio de testes clínicos publicados em revistas médicas arbitradas e estão disponíveis ou estão sendo desenvolvidas para a maioria das doenças crônicas. Essas doenças incluem diabetes, hipertensão, hiperlipidemia, obesidade, tabagismo e doenças respiratórias crônicas e dor crônica. Os Centros de Assistência e Serviços de Saúde (CMS, na sigla em inglês) já estão reembolsando as terapêuticas digitais para prevenção e gestão da diabetes. A inscrição em programas de terapia digital está crescendo: a terapêutica digital é atualmente o maior programa de prevenção de diabetes nos Estados Unidos reconhecido pelos Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), e milhões de pessoas têm baixado aplicativos de terapêuticas digitais para adesão à medicação.
Apresentamos aqui alguns exemplos da dimensão do problema e as possibilidades oferecidas pelas terapêuticas digitais.
Prevenção de diabetes. A diabetes afeta 9,5% da população dos Estados Unidos, e um funcionários diabético custa ao empregador mais de US$ 4,5 mil por ano em perda de produtividade e custos médicos mais altos. Outros 32% da população são “pré-diabéticos”, isto é, correm risco de se tornar diabéticos.
O melhor tratamento para a diabetes é a prevenção, o que requer intervenções comportamentais contínuas, apoio e educação. As terapêuticas digitais já estão oferecendo essas soluções. Um exemplo é a Omada Health, que moldou seu produto de acordo com o estudo pioneiro do Programa de Prevenção da Diabetes. A Omada oferece um programa de intervenção comportamental online, interativo, de 16 semanas, que combina consultores de saúde, redes sociais e planos personalizados para reduzir via perda de peso e aumento de atividade física, o desenvolvimento de diabetes em pacientes pré-diabéticos. Estudos mostram que em geral o participante perde aproximadamente 5% de seu peso corporal, mantém essa redução e tem menor probabilidade de desenvolver diabetes. Os programas da Omada atualmente são reconhecidos pelo CDC e CMS.
Parar de fumar. Dezessete por cento dos adultos nos Estados Unidos são fumantes, e eles custam para seus empregadores quase US$ 6 mil a mais por ano em despesas médicas diretas e indiretas. Deixar de fumar é difícil, exige apoio contínuo e mudança de comportamento. Terapêuticas digitais estão sendo desenvolvidas e validadas clinicamente para combater o tabagismo. Uma delas é SmartQuit da 2Morrow, que consiste num aplicativo para smartphone que demonstrou ser eficaz em testes clínicos aleatórios e é duas a três vezes mais eficaz que parar de fumar sem apoio.
Adesão à medicação. Nos Estados Unidos, doenças crônicas respondem por 83% das consultas médicas, o que corresponde a mais de 20 consultas anuais por paciente. Mais da metade dos medicamentos receitados para essas doenças não é tomada de acordo com as prescrições médicas, e 20% a 30% das receitas médicas não são seguidas. O problema contribui para piorar os resultados da saúde e aumentar os gastos. As terapêuticas digitais estão surgindo para combater esse problema.
Um exemplo é o aplicativo para smartphone com armazenamento sincronizado na nuvem da MediSafe que envia aos pacientes lembretes para não se esquecerem de tomar os medicamentos no horário prescrito, juntamente com uma “caixa virtual de pílulas” com imagens do tamanho e forma dos comprimidos que o paciente deve ingerir. Posteriormente a MediSafe emite relatórios resumidos para pacientes e médicos. Os usuários relatam que, para um grande número de doenças crônicas, a adesão à medicação é substancialmente maior.
Estratégia de adoção
É apresentada uma estrutura básica que os empregadores podem usar para desenvolver uma estratégia para introduzir a terapêutica digital.
Análise. As características da saúde de seus funcionários são diferentes e variam por setor e região, bem como por idade dos funcionários, raça, nível de instrução e vários outros fatores. Analise quais doenças crônicas são responsáveis pela maioria de seus custos, atuais e futuros.
Objetivos. Desenvolva alvos da big picture adequados para sua empresa e funcionários. Os objetivos podem ser bem simples, como “reduzir os gastos de saúde ano a ano”, ou bastante específicos, como “ajude os funcionários com doença crônica a melhorar sua adesão à medicação prescrita”.
Métricas. Decida como avaliar o sucesso de sua estratégia terapêutica digital. As métricas podem ser generalizadas para todos os funcionários, como “reduzir o índice de massa corporal médio em 1 kg/m2 nos próximos dois anos”, ou específicas para determinados subconjuntos de funcionários, como “diminuir em 10% os gastos médicos de pacientes diabéticos”. Com base na análise dos critérios acima, talvez você tenha de escolher entre vários provedores. Ao decidir, preste atenção nas seguintes informações:
Local de vendas. As soluções podem estar disponíveis diretamente em empresas de terapêutica digital, pagadores, ou sistemas que oferecem atendimento. Para algumas empresas pode ser mais fácil escolher provedores particulares. Outras podem optar por uma solução por distribuidor, o que permite mais opções e facilita a seleção. Essas soluções são novas no mercado, e algumas podem não estar incluídas entre os produtos-padrão oferecidos pelo seu plano de saúde ou por um administrador externo.
Evidências. Procure provedores que possam garantir seus créditos com o apoio de organizações médicas nacionais imparciais e estudos publicados em revistas científicas arbitradas. Programas piloto de organizações médicas com grandes nomes não são suficientes — procure resultados.
Estrutura de custo. Alguns provedores de terapêutica digital oferecem contratos de remuneração por desempenho, outros podem oferecer uma quantia fixa ou taxas por membro por mês, e outros podem ter modelos híbridos que combinam taxas fixas e prêmios de desempenho. Embora o pagamento por desempenho seja uma estrutura atraente porque alinha incentivos e garante que os recursos sejam alocados de forma eficiente, pode não ser um modelo viável para todas as doenças e atendimentos. A melhor estrutura de custo pode variar de acordo com as métricas e metas de sua empresa.
Retorno sobre o investimento. O retorno sobre o investimento é frequentemente usado para justificar a decisão de prosseguir, mas tome cuidado para escolher um horizonte de tempo suficiente para atingir o resultado clínico que sua empresa procura. Escolha provedores que foquem em métricas de nível mais baixo, por exemplo, retorno sobre o investimento e gastos com assistência médica. Evite provedores que focam em métricas de nível mais alto.
Facilidade de uso. Para garantir que o usuário alvo possa obter o benefício completo da terapêutica digital, é preciso dispor de programas de treinamento, pilotos ou testes de curto prazo.
Regulamentação e conformidade. Os dados usados pelos provedores de terapêutica digital precisam ser devidamente protegidos e estar de acordo com as regulamentações sobre assistência médica, como portabilidade e responsabilidade de provedores de planos de saúde.
Integração. A terapêutica digital pode fazer parte dos registros dos médicos ou dos registros eletrônicos do paciente? Soluções múltiplas podem ser todas integradas? Entenda como criar sinergia ao escolher.
A epidemia de doenças crônicas requer prevenção e intervenção contínuas que se traduzam em mudança de comportamento em grande escala. Precisamos de ferramentas baseadas em pesquisas que possam evitar doenças crônicas ou tratá-las efetivamente e a baixo custo. Para as empresas que pretendem construir uma força de trabalho mais saudável e reduzir os custos com assistência médica, a terapêutica digital pode ser uma grande parte da solução.
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Alexander L. Fogel é graduado em medicina pela Stanford University School of Medicine, com MBA pela Stanford Graduate School of Business. Joseph C. Kvedar é doutor em medicina, vice-presidente da unidade Connected Health da Partners HealthCare, que lançou vários programas inovadores de saúde para dispositivos móveis, iniciativas de atendimento virtual e programas de pesquisa clínica para mais de 1,5 milhão de pacientes atendidos pelos hospitais afiliados da Partners. É autor de The internet of healthy things.