Todos sabem que transformação organizacional é difícil. Há 20 anos, John Kotter identificou uma taxa de fracasso de 70%, e desde então esse número não baixou. Grandes mudanças também levam muito tempo para serem implementadas — cinco a sete anos, em média —, e as melhorias raramente são duradouras.
Na área da saúde, a mudança é ainda mais difícil que na maioria das empresas. O staff — administrativo e clínico — geralmente vê seu trabalho como vocação, historicamente não confia na gestão sênior e resiste às agendas estratégicas. Embora uma necessidade desesperada de mudança e melhoria do desempenho organizacional possa ser óbvia para a equipe da diretoria, o staff pode ver essa premissa como fundamentalmente falha. Eles já passaram por momentos turbulentos antes, e o status quo sempre se impõe.
Em 2011, quando ingressei na Centura Health, no Colorado, como presidente de seu maior grupo operacional, o Operating Group Mountains and North Denver, e CEO do Saint Anthony Hospital — o carro-chefe de sua organização de saúde —, notei uma clara necessidade de mudança. A organização tinha forte tradição na comunidade e mais de 4.500 funcionários talentosos. No entanto, não estava sendo bem-sucedida por uma série de problemas financeiros e operacionais, e nos faltava uma clara via estratégica para construir um sistema coordenado para entregar o tipo de tratamento que a assistência médica precisava desesperadamente. De imediato passei a dedicar toda a minha energia para formar uma equipe executiva extremamente forte. Juntos, desenvolvemos uma agenda de mudança e a colocamos em ação.
Em alguns anos tínhamos realizado uma transformação impressionante nas finanças, medidas de desempenho e participação de mercado. As coisas estavam melhorando em todas as frentes, exceto numa. Nossos funcionários não estavam preparados para a jornada.
Esta é a história de como invertemos a situação envolvendo nosso pessoal no processo de mudança organizacional de forma profunda e significativa. Ao fazer isso, chegamos a uma fórmula para acelerar os objetivos organizacionais e ao mesmo tempo administrar níveis ainda mais altos de desempenho e engajamento.
Sondando e ouvindo
Entre mais de 500 respostas, essa foi a que me causou mais impacto. Nós realizávamos pesquisas de pulso trimestralmente depois de cada reunião pública informal do Saint Anthony Hospital. As perguntas, desenvolvidas pela Press Ganey, empresa de pesquisa de saúde, estavam relacionadas com o comprometimento dos funcionários. Incluímos na pesquisa questões abertas para que as pessoas tivessem oportunidade de expressar suas preocupações relativas à liderança, operações, remuneração e pessoal. Às vezes, o feedback era difícil. Embora tivéssemos conseguido uma mudança organizacional significativa e uma melhoria de desempenho num setor e mercado muito complexos e desafiadores, ficou claro que nossos funcionários não se sentiam incluídos na jornada ou empolgados com nossas realizações. Era desconcertante o descompasso entre os sentimentos deles em relação à organização e o real desempenho dela.
Resolvi me envolver no hospital tradicional e comecei a sondar. Conversei com o staff clínico, com o administrativo e com o operacional. Percebi que as pessoas não se sentiam conectadas com nossa visão ou com as mudanças que nos empenhávamos em realizar. Nosso objetivo era tornar-nos o melhor provedor de assistência médica de nosso mercado, com excelentes práticas, qualidade de atendimento e satisfação, e sermos reconhecidos como líderes da saúde nas comunidades que atendíamos. A maior parte das preocupações de nossos funcionários era de ordem administrativa: condições de trabalho, apoio gerencial, níveis de pessoal e assim por diante, e eles acreditavam que a liderança estava dizendo bobagens, porque não tínhamos conseguido resolver suas preocupações de longo prazo.
Ouvindo e tomando notas, eu sabia que poderia resolver quase tudo e mesmo assim não corrigir o grande problema da falta de conexão e de engajamento. Eles não confiavam em nós e não estavam alinhados com nossa agenda. Anos de convívio com os administradores que diziam uma coisa e faziam outra tinham tornado as pessoas descrentes. Corações e mentes precisavam sofrer uma mudança radical.
Então fiz o que os CEOs geralmente fazem quando enfrentam um labirinto onde podem se perder — pedi ajuda e orientação a um executivo consultor e especialista em mudança organizacional, Phil Harkins, com quem já havia trabalhado antes em vários outros sistemas de saúde, incluindo a Centura. Ele entendeu perfeitamente nossa situação e propôs que tentássemos algo novo.
Liberamos o poder do objetivo nas equipes
Nós já havíamos colaborado para desenvolver a coesão da minha equipe de altos executivos, explicando o objetivo individual de cada executivo e conectando-o ao objetivo comum do grupo. Por exemplo, meu diretor de estratégias e um dos executivos de nosso hospital eram líderes apaixonados extremamente preocupados com a melhoria de nosso sistema, mas eles estavam sempre em lados opostos nas questões organizacionais e estratégicas decisivas. Ao fazê-los mergulhar mais fundo e expor suas motivações pessoais, ficou óbvio que eles, na verdade, compartilhavam a mesma visão geral. Isso permitiu que percebessem como cada um poderia contribuir para nossa agenda mais ampla e nos ajudou a definir mais claramente seus diferentes papéis e responsabilidades. Esse tipo de trabalho teve um efeito notável para manter a liderança unida, a comunicação interna mais aberta e franca e o empenho para inovar e executar.
Decidimos estender a abordagem para toda a organização
Mas como você consegue fazer isso em grande escala? Objetivo não é um enlatado ou um programa artificial de RH. Descobri-lo é extremamente pessoal e quase terapêutico. Não dá para fingir ou forçar. Graças às pesquisas de Phil e nossa experiência, sabíamos que o objetivo seria mais bem articulado dentro do ambiente fechado de uma equipe coesa. Quando empresários próximos enfrentam alto risco, problemas reais e desafios interpessoais, o trabalho de descobrir e compartilhar objetivos parece galvanizar seu senso de equipe de forma quase mágica. Decidimos implementar um processo similar em outras equipes e depois o estendemos para toda a organização.
Começamos identificando os “líderes apaixonados” da organização, pessoas relevantes que estão particularmente comprometidas com a assistência de saúde, resolução de problemas e umas com as outras. Então selecionamos 50 dessas pessoas e as dividimos em quatro equipes modelo.
Depois, colocamos essas equipes para trabalhar em áreas definidas de acordo com a necessidade organizacional, ou seja: Qualidade, Operações Clínicas, Operações Administrativas e Envolvimento do Associado.
Cada uma delas foi submetida ao mesmo programa de desenvolvimento de minha equipe de liderança sênior. Nós ajudamos os membros das equipes a identificar seus objetivos individuais e a conectá-los ao objetivo global da organização. Uma enfermeira da linha de frente, por exemplo, era particularmente dedicada à satisfação do paciente. Participar da equipe de Qualidade foi para ela uma forma de trazer sua perspectiva pessoal sobre as melhores abordagens de atendimento ao paciente para esse grupo, e isso permitiu que ela percebesse como seus esforços individuais poderiam contribuir diretamente para o nosso objetivo mais amplo.
Em seguida, incentivamos as equipes a identificar problemas organizacionais em suas áreas de interesse. A equipe de Operações Clínicas focou nos gargalos da “taxa de transferência” para melhorar a eficiência com que os pacientes eram transferidos pelo sistema desde a admissão até a saída. Essa eficiência é uma força motriz para os custos operacionais, além de um dos principais indicadores de qualidade e satisfação do paciente, uma vez que a saída rápida significa que melhores práticas clínicas estão sendo aplicadas, e as metas da qualidade atingidas. A equipe de Operações Clínicas era composta de nove pessoas que representavam todas as áreas do hospital que participavam da taxa de transferência, do pronto-socorro à enfermaria, farmácia e administração. Embora antes essas pessoas vissem seus papéis como silos isolados, agora trabalhavam em colaboração para resolver problemas de gargalos em todo o sistema.
Muitas vezes esse trabalho trouxe à tona algumas tensões, por isso foi fundamental facilitar e aconselhar as pessoas quanto a seus pontos de vista conflitantes. Membros da equipe que antes discordavam foram capazes de chegar a uma solução colaborativa porque tinham passado por um período de socialização, conhecendo uns aos outros, e entenderam que todos partilhavam das mesmas prioridades relacionadas a melhorar o atendimento do paciente. A receptividade que o processo de formação da equipe criou facilitou seu alinhamento.
Assim que uma equipe encontrava uma solução para qualquer problema que tivesse identificado, nós afastávamos alguns membros e os substituíamos por outros “líderes apaixonados” mais próximos da área. Este novo grupo tornava-se a equipe de implementação encarregada de executar a estratégia. Os membros que permaneciam na equipe original eram responsáveis por trazer novos membros para a equipe por meio do processo de formação de equipe. E os membros afastados da equipe eram transferidos para novas equipes, onde também ajudavam a liderar e desenvolver a coesão da equipe. Muitas pessoas relutavam em abandonar as equipes que tinham ajudado a construir. Elas criaram vínculos e não queriam se separar. Mas, ao dispersá-las em outras equipes, criamos um processo em cascata de líderes ensinando líderes por toda a organização, com um número cada vez maior de pessoas alinhadas em torno de um objetivo comum e focadas na resolução de desafios significativos.
Focar nos problemas significativos foi decisivo. Muitos exercícios de “formação de equipes” são teóricos, e os riscos pequenos. Nossa abordagem envolveu pessoas no desenvolvimento de soluções tangíveis que contribuiriam para nossa visão. Ela reforçou o alinhamento, ajudou a construir nossas competências e contribuiu para melhorar efetivamente o desempenho organizacional.
No final, era como se tivéssemos 50 novos líderes ajudando a gerir a organização.
Aumentamos a velocidade e medimos o progresso
Nem todos foram sensibilizados pelo trabalho imediatamente, mas o efeito de rede foi poderoso. Fiquei impressionado com o nível de comprometimento e entusiamo que se espalhou por toda a organização. Evoluímos mais rápido e fizemos progressos mais significativos porque atrelamos o poder do objetivo ao projeto de trabalho para melhorar o desempenho organizacional.
Fizemos questão de acompanhar e medir o progresso e o status regularmente. Medimos o desempenho e desenvolvimento de cada equipe em intervalos regulares, usando o instrumento de Avaliação de Eficácia de Equipe de Phil, sistema de 360 graus que acompanha, reforça e incentiva as regras e as melhores práticas da equipe. Medimos também métricas operacionais, como qualidade, segurança, satisfação do cliente e resultados financeiros, para avaliar nosso progresso em comparação com padrões nacionais de excelência. E continuamos a medir a temperatura da organização realizando pesquisas sobre o envolvimento dos funcionários.
Medidas realizadas em três áreas ajudaram a evitar que experiências ou perspectivas pessoais influíssem em nosso julgamento sobre a qualidade de nosso desempenho como organização. Organizamos fóruns para ouvir, acima de tudo, e promovemos reuniões informais para garantir que tivéssemos visibilidade e que estávamos cientes de todas as preocupações.
A boa compreensão que desenvolvemos nos permitiu empregar respostas muito claras e bem direcionadas para problemas e preocupações associadas às nossas prioridades estratégicas. Por exemplo, substituíamos nossa liderança quando ela não reforçava ou não se alinhava com nossa visão e com a nova abordagem. Também mudamos nossa abordagem de formação de staff e aumentamos a remuneração em determinadas áreas para melhorar o desempenho.
Uma nova forma de liderança
Para os altos executivos, o trabalho de liderança também era transformador. A abordagem que adotamos nos obrigou a ouvir e aprender como apoiar as pessoas, em vez de dar ordens ou conduzi-las. Nós colaboramos efetivamente com nosso pessoal para resolver os problemas da organização. Às vezes éramos coaches, às vezes tutores e às vezes facilitadores. Dessa forma, criamos um novo tipo de liderança, mais próximo do tipo de abordagem de chefia servidora que sempre admirei.
No entanto, ao romper nosso próprio silo administrativo, também nos tornamos muito visíveis e expostos a escrutínio. Sabíamos, havia muito tempo, que os funcionários estavam céticos e que todas as vezes que falhávamos poderíamos estar reforçando ideias antigas. Por isso, articulamos nosso comprometimento claramente — até colocando-o em memorandos — e os comparamos com resultados que as pessoas pudessem observar e acompanhar, vinculando assim o que dizíamos com o que fazíamos. Em nosso grupo de liderança definimos novos comportamentos que apoiariam a nova abordagem de liderança, e decidi assumir a responsabilidade de continuar a observar e aconselhar nossa equipe para que permanecesse nos trilhos.
Essa experiência me ajudou a entender por que, muitas vezes, as agendas tradicionais de mudança não conseguem realmente mover o ponteiro. Quando a mudança é imposta, a resistência ativa e passiva é garantia de que ela nunca será completamente bem-sucedida, porque os ressentimentos nunca são totalmente dissipados, e falta engajamento.
Há uma solução melhor. Mudamos de uma abordagem de cima para baixo para uma abordagem transformacional, envolvendo o maior número possível de pessoas, e o mais cedo possível. E conseguimos isso criando uma prática cultural na qual as equipes definiam seus propósitos e objetivos e os líderes ensinavam os outros a crescer e liderar.
Alguns CEOs podem achar que permitir uma agenda de mudança para várias equipes em toda a organização é um convite à confusão, desalinhamento e lento ritmo de mudança. Mas quando as pessoas estão alinhadas em torno de um objetivo compartilhado e envolvidas na solução de problemas reais dentro de um ambiente de equipes fortes, elas atingem metas globais e mudam de objetivos muito mais rápido e mais eficazmente. Como resultado, isso não só eleva a liderança e o engajamento a um patamar mais alto, mas a cultura organizacional também se fortalece e se torna mais dinâmica. A mudança sustentável é muito mais fácil quando essas condições estão presentes.
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Jeffrey Brickman é presidente e CEO da Central Maine Healthcare e ex-presidente do Operating Group Mountains and North Denver da Centura Health.